sábado, 26 de março de 2016

A VITÓRIA DA CRUZ. Meditação sobre o Sábado Santo.

A VITÓRIA DA CRUZ

SÁBADO SANTO

“Ó Jesus crucificado por meu amor, descobri-me a vitória obtida pela Vossa morte.”

1— Apenas Jesus deu o último suspiro «o véu do templo rasgou-se... a terra tremeu e partiram-se as pedras, abriram-se as sepulturas e muitos corpos... ressuscitaram», de tal maneira que os presentes «tiveram grande medo e diziam; na verdade ·este era o Filho de Deus»(Mt. 27, 51-54).
Jesus quis morrer na ignomínia mais completa, aceitando até ao fim os escárnios e os irônicos desafios dos soldados: «Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo» (Lc. 23, 39). Mas logo que Jesus expirou, a Sua divindade manifestou-se de forma tão poderosa que se impôs mesmo aos que até àquele momento tinham troçado d’Ele. A morte de Cristo começa agora a manifestar-se tal qual é na realidade: não uma derrota, mas uma vitória, a maior vitória que o mundo conhece: vitória sobre o pecado, vitória sobre a morte, consequência do pecado, vitória que dá aos homens a vida da graça.

Ontem, apresentando a cruz à nossa adoração, a Igreja cantava: «Eis o madeiro da Cruz do qual esteve suspensa a salvação do mundo!» E depois do triste alternar dos impropérios, entoava um hino em louvor da cruz:

«Canta, ó língua, o glorioso combate, celebra o nobre triunfo sobre a cruz, pelo qual o Redentor do mundo venceu morrendo».


Deste modo, a consideração e a compaixão dos sofrimentos do Senhor alterna com hino de vitória. Morte e vida, morte e Vitória, são termo contraditórios entre si, todavia vemos que em
Jesus estão tão estreitamente unidos que o primeiro foi a causa do segundo. São João da Cruz, depois de ter descrito a agonia de Jesus na cruz, afirma:

«E nela fez maior obra que em toda a Sua vida tinha feito com milagres e obras, quer na terra quer no céu, que foi reconciliar e unir o gênero humano, pela graça, com Deus. E isto foi no dia e na hora em que este Senhor esteve mais aniquilado em tudo; a saber: quanto à reputação dos homens, porque, como O viam morrer, antes faziam escárnio do que O estimavam; quanto à natureza, pois nela Se aniquilava, morrendo; e quanto ao amparo e consolo espiritual do Pai, pois naquela altura O desamparou».


E conclui:

«Para que o bom espiritual entenda o mistério da porta e do caminho de Cristo para se unir a Deus, e saiba que quanto mais se aniquilar por Deus... tanto mais se une a Deus e maior obra faz». (S. II, 7, 11).


2— «Em paz durmo e descanso; assim começam as Matinas do Sábado Santo, aludindo à paz do sepulcro, onde depois de tantos tormentos, descansa o Corpo santíssimo de Jesus. De facto o dia de hoje é o mais indicado para nos recolhermos no silêncio e na oração junto do sepulcro do Senhor.

Depois da morte de Jesus, aterrorizados pelo terramoto e pelas trevas, todos tinham abandonado o Calvário, exceto o grupo dos mais fiéis: Maria Santíssima e João que nunca se tinham afastado da cruz, Maria Madalena e outras piedosas mulheres, «que tinham seguido Jesus desde a Galileia subministrando-lhe o necessário» (Mt. 27, 55).


O Senhor expirou já, mas eles não podem separar-se do Mestre adorado, objeto de
todo o seu amor e de todas as suas esperanças. O que os detém irresistivelmente junto daquele Corpo desfalecido é o seu amor. Tal é a ·característica da verdadeira fidelidade: perseverar mesmo nos momentos mais obscuros e difíceis quando tudo parece estar perdido, quando o amigo, em vez de triunfar, fica reduzido ao fracasso e à mais profunda humilhação. Ser fiéis a Deus quando
tudo corre bem, quando a Sua causa triunfa, é fácil, mas ser fiéis na hora das trevas, quando Ele permite a vitória momentânea do mal, quando nos parece que tudo o que era bom e santo está irremediavelmente arruinado e submerso, é duro e é a prova mais certa de um verdadeiro amor.
Entretanto, dois discípulos, José de Arimatéia e Nicodemos, encarregaram-se da sepultura: o sagrado Corpo é descido da cruz, envolvido num lençol com aromas e depois depositado no «sepulcro novo» que José tinha aberto numa rocha (Mt. 27, 60).


Em união com a Virgem que sem dúvida esteve presente à cena para receberem Seus braços o martirizado Corpo do Seu divino Filho, aproximemo-nos também nós daqueles sagrados despojos; fixemos uma vez mais o nosso olhar naquelas chagas, naquelas feridas, naquele Sangue que tão eloquentemente nos falam do amor infinito de Jesus para conosco. É verdade que essas chagas já não são dolorosas, mas sim gloriosas, e que amanhã, com a Páscoa, celebraremos a grande vitória que elas obtiveram; apesar de glorificadas, aquelas chagas são e serão eternamente
o sinal indelével da caridade excessiva com que Cristo nos amou.

Que o Sábado Santo, dia de transição entre as angústias de Sexta-feira Santa e a glória da Ressurreição, seja um dia de recolhimento e oração junto do Corpo inanimado de Jesus: abramos o nosso coração, purifiquemo-lo no Seu Sangue para que, todo renovado no amor e na pureza, possa rivalizar com o «sepulcro novo» e nele oferecer um lugar de paz e de repouso ao Mestre tão amado.




Colóquio:

«Ave, ó Cruz, nossa única esperança!

Tu aumentas a graça aos justos e perdoas as culpas aos pecadores. Ó Arvore gloriosa e refulgente, adornada com a púrpura do Rei, nos teus braços esteve suspenso o preço da nossa Redenção, em ti está a nossa vitória e o nosso resgate» (cfr. BR.).

«Ó Cristo, mais uma vez fixo o meu olhar no Vosso rosto esvaído e, não sem lágrimas, levanto os meus olhos para as Vossas chagas e para as Vossas feridas, não sem comoção elevo o meu coração contrito e considero quantas tribulações encontrastes, para me procurardes, para me salvardes.

«Ó bom Jesus, com quanta liberalidade nos destes, sobre a cruz, tudo o que tínheis! Aos que Vos crucificaram, destes a Vossa oração afetuosa, ao ladrão o Paraíso, à Mãe o filho, o filho à Mãe, aos mortos a vida, às mãos do Pai a Vossa alma; oferecestes a todo o mundo um sinal do Vosso poder e para remir o escravo destes não algumas gotas, mas todo o Vosso Sangue, aquele Sangue que corria de tantas e tão profundas feridas... ó suavíssimo Senhor e Salvador do mundo, como Vos agradecerei dignamente?


«Ó bom Jesus, Vós inclinais a cabeça coroada, trespassada por muitos espinhos, convidando-me ao beijo da paz e pareceis dizer-me: 'Eis como estou desfigurado, dilacerado, morto. Sabes porquê? Ó ovelha perdida, para te tomar e reconduzir aos pastos celestiais do Paraíso. Paga-me com a mesma moeda... Contempla-me na minha Paixão. Ama-me. Eu dei-me a Ti, dá-te Tu a mim... Ó Senhor, enternecido à vista das Vossas chagas, quero que reineis sobre mim, dolorido como Vos vejo; quero colocar-Vos como um selo sobre o meu coração e como um sinal no meu braço, a fim de me conformar conVosco e com o Vosso martírio em todos os pensamentos do meu coração e em todas as obras do meu braço.



«Ó dulcíssimo e bom Jesus! Já que Vos destes por nós como preço de resgate, concedei-nos, ainda que não sejamos dignos de tanto valor, que nos submetamos à Vossa graça, inteiramente, perfeitamente e em tudo»
(cf r. S. Boaventura) .

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