A VITÓRIA DA CRUZ
SÁBADO SANTO
SÁBADO SANTO
“Ó Jesus crucificado por meu amor, descobri-me a vitória obtida pela Vossa morte.”
1— Apenas Jesus deu o último suspiro «o
véu do templo rasgou-se... a terra tremeu e partiram-se as pedras, abriram-se
as sepulturas e muitos corpos... ressuscitaram», de tal maneira que os
presentes «tiveram grande medo e diziam; na verdade ·este era o Filho de Deus»(Mt.
27, 51-54).
Jesus
quis morrer na ignomínia mais completa, aceitando até ao fim os escárnios e os irônicos
desafios dos soldados: «Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo» (Lc.
23, 39). Mas logo que Jesus expirou, a Sua divindade manifestou-se de forma
tão poderosa que se impôs mesmo aos que até àquele momento tinham troçado d’Ele.
A morte de Cristo começa agora a manifestar-se tal qual é na realidade: não uma
derrota, mas uma vitória, a maior vitória que o mundo conhece: vitória sobre o
pecado, vitória sobre a morte, consequência do pecado, vitória que dá aos
homens a vida da graça.
Ontem,
apresentando a cruz à nossa adoração, a Igreja cantava: «Eis o madeiro da Cruz do qual esteve
suspensa a salvação do mundo!» E depois do triste alternar dos impropérios, entoava um
hino em louvor da cruz:
«Canta, ó língua, o glorioso
combate, celebra o nobre triunfo sobre a cruz, pelo qual o Redentor do mundo
venceu morrendo».
Deste
modo, a consideração e a compaixão dos sofrimentos do Senhor alterna com hino de
vitória. Morte e vida, morte e Vitória, são termo contraditórios entre si,
todavia vemos que em
Jesus estão tão estreitamente unidos que o primeiro foi a causa do segundo. São
João da Cruz, depois de ter descrito a agonia de Jesus na cruz, afirma:
«E nela fez maior obra que em toda
a Sua vida tinha feito com milagres e obras, quer na terra quer no céu, que foi
reconciliar e unir o gênero humano, pela graça, com Deus. E isto foi no dia e
na hora em que este Senhor esteve mais aniquilado em tudo; a saber: quanto à reputação
dos homens, porque, como O viam morrer, antes faziam escárnio do que O
estimavam; quanto à natureza, pois nela Se aniquilava, morrendo; e quanto ao
amparo e consolo espiritual do Pai, pois naquela altura O desamparou».
E
conclui:
«Para que o bom espiritual entenda
o mistério da porta e do caminho de Cristo para se unir a Deus, e saiba que
quanto mais se aniquilar por Deus... tanto mais se une a Deus e maior obra faz».
(S. II, 7,
11).
2— «Em paz durmo e descanso; assim
começam as Matinas do Sábado Santo, aludindo à paz do sepulcro, onde depois de
tantos tormentos, descansa o Corpo santíssimo de Jesus. De facto o dia de hoje
é o mais indicado para nos recolhermos no silêncio e na oração junto do
sepulcro do Senhor.
Depois
da morte de Jesus, aterrorizados pelo terramoto e pelas trevas, todos tinham
abandonado o Calvário, exceto o grupo dos mais fiéis: Maria Santíssima e João
que nunca se tinham afastado da cruz, Maria Madalena e outras piedosas
mulheres, «que tinham seguido Jesus desde a Galileia subministrando-lhe o
necessário» (Mt. 27, 55).
O
Senhor expirou já, mas eles não podem separar-se do Mestre adorado, objeto de
todo o seu amor e de todas as suas esperanças. O que os detém irresistivelmente
junto daquele Corpo desfalecido é o seu amor. Tal é a ·característica da
verdadeira fidelidade: perseverar mesmo nos momentos mais obscuros e difíceis
quando tudo parece estar perdido, quando o amigo, em vez de triunfar, fica
reduzido ao fracasso e à mais profunda humilhação. Ser fiéis a Deus quando
tudo corre bem, quando a Sua causa triunfa, é fácil, mas ser fiéis na hora das
trevas, quando Ele permite a vitória momentânea do mal, quando nos parece que tudo
o que era bom e santo está irremediavelmente arruinado e submerso, é duro e é a
prova mais certa de um verdadeiro amor.
Entretanto, dois discípulos, José de Arimatéia e Nicodemos, encarregaram-se da
sepultura: o sagrado Corpo é descido da cruz, envolvido num lençol com aromas e
depois depositado no «sepulcro novo»
que José tinha aberto numa rocha (Mt. 27, 60).
Em
união com a Virgem que sem dúvida esteve presente à cena para receberem Seus
braços o martirizado Corpo do Seu divino Filho, aproximemo-nos também nós
daqueles sagrados despojos; fixemos uma vez mais o nosso olhar naquelas chagas,
naquelas feridas, naquele Sangue que tão eloquentemente nos falam do amor
infinito de Jesus para conosco. É verdade que essas chagas já não são
dolorosas, mas sim gloriosas, e que amanhã, com a Páscoa, celebraremos a grande
vitória que elas obtiveram; apesar de glorificadas, aquelas chagas são e serão
eternamente
o sinal indelével da caridade excessiva com que Cristo nos amou.
Que
o Sábado Santo, dia de transição entre as angústias de Sexta-feira Santa e a
glória da Ressurreição, seja um dia de recolhimento e oração junto do Corpo inanimado
de Jesus: abramos o nosso coração, purifiquemo-lo no Seu Sangue para que, todo renovado
no amor e na pureza, possa rivalizar com o «sepulcro
novo» e nele oferecer um lugar de paz e de repouso ao Mestre tão amado.
Colóquio:
«Ave,
ó Cruz, nossa única esperança!
Tu aumentas a graça aos justos e perdoas as culpas aos pecadores. Ó Arvore
gloriosa e refulgente, adornada com a púrpura do Rei, nos teus braços esteve
suspenso o preço da nossa Redenção, em ti está a nossa vitória e o nosso
resgate» (cfr. BR.).
«Ó Cristo,
mais uma vez fixo o meu olhar no Vosso rosto esvaído e, não sem lágrimas,
levanto os meus olhos para as Vossas chagas e para as Vossas feridas, não sem
comoção elevo o meu coração contrito e considero quantas tribulações
encontrastes, para me procurardes, para me salvardes.
«Ó bom Jesus, com quanta liberalidade nos destes, sobre
a cruz, tudo o que tínheis! Aos que Vos crucificaram, destes a Vossa oração afetuosa,
ao ladrão o Paraíso, à Mãe o filho, o filho à Mãe, aos mortos a vida, às mãos
do Pai a Vossa alma; oferecestes a todo o mundo um sinal do Vosso poder e para
remir o escravo destes não algumas gotas, mas todo o Vosso Sangue, aquele
Sangue que corria de tantas e tão profundas feridas... ó suavíssimo Senhor e
Salvador do mundo, como Vos agradecerei dignamente?
«Ó bom Jesus, Vós inclinais a cabeça coroada, trespassada por muitos espinhos,
convidando-me ao beijo da paz e pareceis dizer-me: 'Eis como estou desfigurado,
dilacerado, morto. Sabes porquê? Ó ovelha perdida, para te tomar e reconduzir
aos pastos celestiais do Paraíso. Paga-me com a mesma moeda... Contempla-me na
minha Paixão. Ama-me. Eu dei-me a Ti, dá-te Tu a mim... Ó Senhor, enternecido à
vista das Vossas chagas, quero que reineis sobre mim, dolorido como Vos vejo;
quero colocar-Vos como um selo sobre o meu coração e como um sinal no meu
braço, a fim de me conformar conVosco e com o Vosso martírio em todos os
pensamentos do meu coração e em todas as obras do meu braço.
«Ó
dulcíssimo e bom Jesus! Já que Vos destes por nós como preço de resgate,
concedei-nos, ainda que não sejamos dignos de tanto valor, que nos submetamos à
Vossa graça, inteiramente, perfeitamente e em tudo»
(cf r. S. Boaventura) .
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