sexta-feira, 25 de março de 2016

O MISTÉRIO DA CRUZ. Meditação sobre a Sexta feira da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O MISTÉRIO DA CRUZ

SEXTA-FEIRA SANTA

“Ó meu Deus permiti-me penetrar conVosco na espessura do mistério da cruz”

            1 — O dia de Sexta-feira Santa, mais que qualquer outro, convida-nos a penetrar profundamente na «espessura dos trabalhos e dores do filho de Deus» (cfr. J.C.C. 36, 12), não só com a consideração teórica da mente, mas ainda mais com a disposição prática da vontade
de abraçar de bom grado o sofrimento para nos associarmos e assemelharmos ao Crucificado. Sofrendo com Ele, compreenderemos melhor os Seus sofrimentos, entenderemos melhor o Seu amor por nós, «porque o mais puro padecer traz mais íntimo e puro entender» (ib, 36,
12) e «ninguém sente mais profundamente em seu coração a Paixão de Cristo do que quem já sofreu alguma coisa parecida» (Imit. II, 12, 4).

Acompanhemos o Senhor com estas disposições no último dia da Sua vida terrena.

            O martírio atroz que dentro de poucas horas despedaçará o Seu Corpo, ainda não começou, e contudo, a agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras, assinala um dos momentos mais dolorosos da Sua Paixão e mais reveladores das acerbíssimas penas do Seu espírito. A Sua santíssima Alma está imersa numa indizível angústia, é o abandono e a desolação extrema, sem o menor conforto nem de Deus nem dos homens. O Salvador sente sobre Si o peso enorme de todos os pecados da humanidade. Ele, inocentíssimo, vê-Se coberto dos mais execrandos delitos, tornado como que inimigo de Deus, objeto da Sua justiça infinita que n’Ele punirá todas as nossas iniquidades. Enquanto Deus, Jesus nunca deixou de estar unido ao Pai, ainda nos momentos mais dolorosos da Sua Paixão, mas enquanto homem sentiu-Se como que abandonado por Ele, «ferido por Deus e humilhado» (Is. 53, 4). Isto explica o íntimo drama do Seu espírito —drama muito mais doloroso que os terríveis sofrimentos físicos que O esperam— a cruel agonia que Lhe fez suar sangue, e ainda a Sua queixa:

«A Minha alma está numa tristeza mortal» (Mt. 26, 38).

            Se antes havia desejado ardentemente a Paixão, agora, que a Sua humanidade se encontra diante da dura realidade do facto, privada do socorro sensível da Divindade, a qual parece não só retirar-Se, mas indignar-Se contra Ele, Jesus geme:
«Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice!»
Mas o grito angustioso da natureza humana perde-se imediatamente no da perfeita conformidade da vontade de Cristo com a vontade do Pai:

«Todavia não como eu quero, mas sim como Tu queres» (ib. 26, 39).

2 —  A agonia do horto segue-se o beijo traidor de Judas, a prisão, a noite decorrida entre os interrogatórios dos sacerdotes e os insultos dos soldados, que Lhe dão bofetadas, que Lhe cospem no rosto, que Lhe tapam os olhos, enquanto lá fora, no átrio, Pedro O nega.

Ao amanhecer recomeçam os interrogatórios e as acusações, depois principiam as idas de um tribunal para outro: de Caifás para Pilatos, de Pilatos para Herodes, de Herodes outra vez para Pilatos; em seguida a horrível flagelação e coroação de espinhos; finalmente, vestido como rei de comédia, o Filho de Deus é apresentado à multidão que grita:

«Faze morrer este e solta-nos Barrabás»; a população pede a grandes vozes:

«Crucifica-O, crucifica-O!» (Lc. 23, 18-21).

Carregado com o madeiro do suplício, Jesus é arrastado até ao Calvário e crucificado entre dois ladrões. Estas dores físicas e morais atingem tal intensidade que o Senhor, agonizando sobre a cruz, lança um grito de desolação:

«Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?» (Mt. 27, 46).

Estamos novamente em presença do drama intimo que dilacera a alma de Cristo e acompanha, num rápido crescendo, a intensificação dos Seus sofrimentos físicos. No discurso da última Ceia, falando Jesus da Sua próxima Paixão, dissera aos Apóstolos:

«Eis que vem a hora em que sereis espalhados... e em que me deixareis só, mas eu não estou só, porque o Pai está comigo» (Jo. 16, 32).

A união com o Pai é tudo para Jesus: é a Sua vida, a Sua força, o Seu conforto e a Sua
alegria; se os homens O abandonam, o Pai está sempre com Ele e isso Lhe basta. Por isso podemos compreender melhor a intensidade do Seu sofrimento quando, durante a Paixão, o Pai Se retira d’Ele. No entanto, na Sua agonia e na Sua morte de cruz, Jesus é sempre Deus e como tal está sempre indissoluvelmente unido ao Pai.
Mas Ele quis tomar sobre Si a pesada carga dos nossos pecados e estes erguem-se como uma barreira de divisão moral entre Ele e o Pai. A Sua Humanidade, conquanto unida pessoalmente ao Verbo, está privada, por um milagre, de toda a consolação e apoio divinos; sente, pelo contrário, pesar sobre Si a maldição devida ao pecado:

«Cristo —diz S. Paulo—  remiu-nos da maldição... feito maldição por nós
» (Gál. 3, 13).

Chegamos ao mais profundo da Paixão de Jesus, às amarguras que Ele abraçou pela nossa salvação. E contudo, mesmo no meio de tão cruéis tormentos, a queixa de Jesus harmoniza-se com a expressão do abandono total:
«Pai, nas Vossas mãos encomendo o meu espírito» (Lc. 23, 46).
Deste modo Jesus, que quis saborear até ao fundo corno é amargo para o homem sofrer e morrer, ensina-nos a superar e dominar as inquietações e angústias produzidas pela dor e pela morte com atos de plena submissão à vontade de Deus e de confiante abandono nas Suas mãos.




Colóquio:

 «Ó Cristo, Filho de Deus contemplando a dor imensa que suportastes por nós sobre a cruz, parece ouvir-Vos dizer à minha alma: Não foi por engano que te amei! Estas palavras abrem os meus olhos e vejo claramente tudo quanto fizestes por mim, em virtude deste amor. Vejo quanto sofrestes na vida e na morte, ó amantíssimo Homem-Deus por causa deste amor profundo e invencível Sim, ó Senhor, Vós não me amastes por engano, mas com um amor perfeitíssimo e verdadeiro. E em mim vejo o contrário, pois amo-Vos com tibieza c sem vontade, e conhecê-lo é para mim uma pena insuportável.

«Ó Mestre, Vós amastes-me sem engano; eu, ao contrário, pecadora, nunca Vos amei senão com um amor imperfeito. Nunca quis ouvir falar das dores que Vós sofrestes voluntariamente na cruz e por isso Vos servi com negligência e sem verdade.

«O Vosso amor, Deus meu, acende em mim um desejo ardente de não querer fazer nada que seja ofensa Vossa, de querer abraçar a dor e o desprezo que Vós suportastes, de ter constantemente fixa na mente a Vossa Paixão e morte, na qual está a nossa verdadeira salvação e a nossa vida.

«Ó Senhor, ó Mestre e Médico eterno, o Vosso Sangue é o remédio que nos ofereceis gratuitamente para curar as nossas almas e ao passo que a Vós Vos custou a dolosíssima Paixão e a Morte da cruz, a mim não me custou nada, senão dispor-me a recebê-lo: e Vós imediatamente mo dais e curais todas as minhas enfermidades. ó meu Deus, já que estais disposto a libertar-me e a curar-me contanto que eu Vos mostre com lágrimas e arrependimento os meus males e as minhas enfermidades; Senhor, já que a minha alma está enferma, eis que Vos mostro os meus pecados e as minhas desgraças. Não pode haver pecado nem doença da
alma e do espírito a que Vós não tenhais dado remédio suficiente e não tenhais satisfeito com a Vossa morte!

«Por isso toda a minha saúde e a minha alegria estão em Vós, ó Cristo crucificado; onde quer que me encontre não quero jamais tirar o meu olhar da Vossa cruz»
(B. Ângela de Foligno).



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